Como o aumento da temperatura global e a elevação do nível do mar vai afetar na prática diferentes regiões do planeta?
Essa foi a pergunta que guiou uma pesquisa conduzida pelo Climate Central, uma organização sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos, em parceria com a Universidade Princeton, também nos EUA, e o Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto do Clima, na Alemanha.
O trabalho, publicado na revista científica Environmental Research Letters, identificou as regiões do mundo que podem sofrer inundações "sem precedentes", caso as políticas para combater as mudanças climáticas não sejam colocadas em prática agora pelos países.
De acordo com o estudo, centenas de áreas costeiras, que abrigam atualmente mais de 1 bilhão de pessoas, estão sob risco.
O cientista Benjamin Strauss, líder da Climate Central e autor principal do artigo, destaca que "os líderes mundiais têm a oportunidade de ajudar ou trair o futuro da humanidade com suas decisões atuais sobre as mudanças climáticas".
"Nossa pesquisa, e as imagens criadas a partir dela, ilustram o que está por trás das negociações sobre o clima em Glasgow. Medidas robustas e imediatas para uma economia mundial limpa e segura para o clima podem ajudar bilhões de pessoas e preservar cidades e nações inteiras para o futuro. As escolhas de hoje definirão nosso caminho", completou o especialista.
Ao citar Glasgow, na Escócia, Strauss faz referência à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-26, que será realizada nesta cidade entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro de 2021.
Já Anders Levermann, professor de dinâmicas de sistemas climáticos do Instituto Potsdam, na Alemanha, avalia que "o aumento do nível do mar é uma ameaça à nossa herança".
"E não apenas às nossas heranças antigas, mas das cidades em que vivemos hoje. São esses locais nas quais as ações de agora deixam o mundo preparado para a próxima geração", completou.
E há uma diferença considerável no que pode acontecer com essas regiões de acordo com o aumento da temperatura: se ocorrer uma elevação de até 3°C nas próximas décadas (em comparação com a média pré-industrial), o risco de danos é praticamente o dobro do que seria observado numa subida ligeiramente menor, entre 1,5°C e 2°C.
No cenário mais otimista, esse aumento de 1,5°C aconteceria se diminuíssemos aos poucos a emissão de gases do efeito estufa, até alcançarmos zero emissões em 2050.
Já a elevação de 3°C será realidade caso o ritmo atual continue como está ou até piore nas próximas décadas.
Para ilustrar o tamanho do problema, o Climate Central montou uma série de imagens, com o auxílio de programas de edição e fotos de satélites, que revelam como podem ficar cerca de 100 cidades costeiras de 39 países diferentes, incluindo o Brasil.
Os locais mais atingidos estão na Ásia: China, Índia, Indonésia e Vietnã teriam partes de seu território afetados, onde milhões de pessoas vivem atualmente.
As projeções, que levam em conta os cálculos feitos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), fazem parte do projeto Picturing Our Future (Imaginando Nosso Futuro, em tradução literal).
Efeitos do aumento da temperatura no Brasil
Através de imagens, foram feitas projeções de como algumas cidades brasileiras poderão ser afetadas com o aumento da temperatura, segundo o estudo do Climate Central.
À esquerda, é possível conferir a situação caso a elevação seja de apenas 1,5°C. À direita, a projeção leva em conta uma subida de 3°C nos termômetros (e, claro, o efeito disso no aumento do nível dos oceanos).
O primeiro exemplo da lista é Salvador, capital da Bahia. O aumento de 1,5°C já faria o mar avançar sobre parte do centro e outros bairros da Cidade Baixa. Agora, caso a elevação da temperatura chegue a 3°C, a imagem mostra que toda a área onde fica o Mercado Modelo até a frente do Elevador Lacerda seria tomada pelas águas.
Um cenário parecido pode ser observado no bairro de Casa Amarela, na região Norte de Recife. Com 1,5°C, é possível observar um possível aumento do nível do rio Capibaribe. Com 3°C, boa parte das ruas e das avenidas seriam tomadas.
Um dos cartões postais de Fortaleza, o Farol do Mucuripe é uma das únicas estruturas a permanecer intocada pelas águas do oceano com o aumento de 3°C na temperatura. Mas, mesmo com um aumento de 1,5°C, o mar já cobriria as praias do Titanzinho e do Futuro.
Às margens do rio Jacuí e na beira do Lago Guaíba, a Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, também ficaria inacessível com a subida das águas no cenário mais pessimista. E, mesmo na possibilidade otimista (de aumento de 1,5°C na temperatura), já é possível notar algumas modificações na configuração da capital gaúcha.
Com a subida de 1,5°C na temperatura, a área da estação de metrô Botafogo/Coca-cola, na zona Sul do Rio de Janeiro, é pouco afetada. Agora, com o acréscimo de 3°C nos termômetros, todo o bairro fica coberto de água.
E no mundo?
Em Havana, em Cuba, Dhaka, em Bangladesh e Lagos, capital da Nigéria, as projeções do Climate Central mostram um cenário drástico. O aumento de 3°C poderia submergir parcialmente ou totalmente edifícios e praças no coração das cidades.
Mas países desenvolvidos sofrem igualmente as consequências drásticas do aumento do nível do mar. Na capital britânica, o cenário de aumento de 1,5°C já é suficiente para inundar parte da entrada e dos jardins do Palácio de Buckingham, residência da rainha Elizabeth 2ª.
Com a temperatura 3°C acima da atual, o palácio fica inacessível.
No sul da Espanha, em Sevilha, a famosa Praça de Espanha, e boa parte do centro da cidade, também seriam inundadas nesse cenário.
Nos Estados Unidos, Hoboken, cidade de Nova Jersey que faz parte da região metropolitana de Nova York, seria ao menos parcialmente submersa.
E nem a sede do Google em Mountain View, na Califórnia, se salvaria das águas. Mesmo no cenário menos drástico de aumento de temperatura, o acesso ao Googleplex já seria dificultado.
BBC