Do G1- Uma pesquisa da Embrapa Pecuária Sudeste, de São Carlos (SP), desenvolveu uma técnica que pode ajudar os pecuaristas a fazerem uma seleção de seus animais bovinos de modo a formar um rebanho que engorde mais facilmente e emita menos gás formador do efeito estufa.
O grupo de pesquisa reúne veterinários, biólogos, bioinformatas, epidemiologistas e especialistas em ciências da computação.
Por meio de análises de microrganismos presente em amostras de fezes bovinas, os cientistas identificaram marcadores que podem ajudar a identificar o fenótipo de animais que emitem menos metano e têm mais facilidade para aproveitar os nutrientes dos alimentos e ganhar peso.
Produtor de gás de efeito estufa
A técnica é vantajosa para o pecuarista, que vai ter um gado que engorda mais rápido e para o meio ambiente que terá menos emissão de metano, um dos gases formadores do efeito estufa.
De acordo com o Observatório do Clima, a agropecuária ocupa o segundo lugar em emissões de gases de efeito estufa no Brasil, respondendo por 28% do total, em boa parte ligado ao rebanho bovino.
De acordo com a pesquisadora Luciana Correia de Almeida Regitano a maior fonte de emissão de metano nos bovinos é o processo digestório, que responde respondendo por mais de 90% do total. A maior parte se dá pelo arroto dos animais.
A ideia de analisar as fezes dos animais surgiu justamente na tentativa de relacionar a emissão do metano pelo arroto.
A pesquisadora explica que há trabalhos conectando bactérias da ruminação dos animais a emissões de metano, mas eles geralmente usam amostras do rúmen do animal, que são muito difíceis de obter, já que a coleta de amostras envolve práticas invasivas.
Experimento
O estudo usou amostras de 52 touros nelore, divididos em dois grupos de 26 indivíduos, que ficaram em confinamento 105 dias.
Um dos grupos recebeu alimentação convencional, à base de silagem de milho, milho, farelo de soja, gordura protegida ruminal e concentrado de ureia.
O outro grupo foi alimentado com subprodutos industriais: polpa cítrica, gérmen de milho, farinha de óleo de gérmen de milho e farinha de casca de amendoim. Os dois grupos também receberam suplementos minerais.
Ao final do período, os cientistas coletaram amostras de sangue para extrair o DNA dos animais. Além disso, mediram as emissões de metano usando uma espécie de cocho automatizado, no qual o animal põe a cabeça e o aparelho aspira e quantifica os gases. Os resultados são enviados para uma central de armazenamento de dados.
“São equipamentos caros, mas esse investimento foi feito aqui na unidade porque há vários grupos trabalhando com os impactos da pecuária nas mudanças climáticas”, explicou Luciana.
Na fase final do experimento, duas semanas antes do abate, aproximadamente 10 gramas de fezes foram obtidas de cada animal, de onde extraído DNA, também foi coletado 50 mililitros de conteúdo ruminal. Os cientistas identificaram 5.693 variantes de sequência de amplicon (pedaços de DNA).
“Acessamos a informação do microbioma bovino por meio de uma técnica que permite fazer muitas cópias de uma região específica do DNA dos genomas das bactérias e arqueias e sequenciá-las. Esses pedacinhos amplificados e sequenciados, que chamamos de ASVs, compreendem nossas unidades de análise”, explicou Luciana.
Por meio de uma técnica que comparou o DNA dos dois grupos, foram identificados marcadores relacionados à emissão residual de metano e ao consumo alimentar residual.
A pesquisadora salienta que já existe descrição de associação de gêneros de bactéria com emissão de metano, ou seja, já foram identificadas, em outros trabalhos, bactérias mais presentes em animais que emitem mais ou menos metano.
“Mas a grande maioria dos estudos que fez essas associações trabalha com animais em situações extremas: compara um grupo que emite mais metano e um que emite menos e diz qual bactéria está presente no que emite menos, por exemplo. Encontram a associação, mas não conseguem quantificar a contribuição da bactéria para a quantidade de metano emitida. E nós conseguimos, ainda que numa amostra reduzida, de somente 52 animais.”
Emissões e eficiência alimentar
Foram identificadas duas bactérias – uma no microbioma do rúmen e outra no fecal – associadas ao fenótipo de emissões residuais de metano,sendo uma do gênero Solobacterium mais abundante em animais com alto perfil de emissões de metano e uma pertencente ao gênero Alistipes foi associada à diminuição de emissões residuais
A equipe também identificou cinco bactérias associadas ao consumo alimentar residual no ambiente ruminal, quatro destas associadas à ineficiência alimentar e uma a animais com maior eficiência alimentar.
“Neste caso, trata-se de uma tentativa de selecionar os animais mais eficientes no uso dos nutrientes da dieta, em conversão desses nutrientes em músculo. Assim, ao mesmo tempo que obtivemos marcadores para a emissão de metano, também obtivemos marcadores de eficiência alimentar. Podemos combinar a informação das duas características e conseguir um animal que emite menos metano consumindo menos alimento e ganhando mais peso”, afirma Luciana.
Ela reitera que o trabalho de melhoramento genético precisa de amostras grandes, que representem grandes regiões geográficas e diferentes situações. Por isso, a amostra está sendo ampliada. Em julho, foram coletadas amostras de mais 120 animais. Também será feita amostragem de mais de 500 animais da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu.
Foto: Fabiano Marques Dourado/Embrapa