Representantes de quase 180 países se reúnem a partir desta terça-feira (5), na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, para redigir o primeiro tratado mundial destinado a reduzir a poluição por plásticos — uma ameaça crescente ao planeta. O prazo para chegar a um acordo é de 10 dias.
Há três anos, esses mesmos países concordaram em desenvolver um tratado global com poder de lei para reduzir o desperdício e os produtos químicos nocivos que alguns plásticos contêm. Agora, há uma tentativa de transformar esse compromisso num documento final.
Em novembro do ano passado, as negociações em Busan, na Coreia do Sul, fracassaram. Um grupo de países produtores de petróleo bloqueou qualquer avanço.
Mais de 100 países defendem a redução global da produção de plástico e a eliminação gradual de certos produtos químicos e plásticos de uso único. Mas nações com grandes indústrias de combustíveis fósseis — como Arábia Saudita, China, Rússia e Irã — se opõem às restrições e pressionam por um tratado focado apenas na gestão e reciclagem de resíduos.
Os Estados Unidos indicaram apoio a uma versão menos ambiciosa do acordo, sem cortes na produção.
Crise global custa trilhões e afeta saúde pública
A poluição causada por resíduos plásticos é um "perigo grave, crescente e subestimado" para a saúde. O custo estimado para o mundo é de pelo menos US$ 1,5 trilhão (R$ 8,2 trilhões) por ano, segundo relatório publicado na segunda-feira (4) na revista médica The Lancet.
Na abertura da reunião, o diplomata equatoriano Luis Vayas Valdivieso, presidente dos debates, alertou os países sobre a gravidade do problema:
"A poluição por plásticos está danificando os ecossistemas, contaminando oceanos e rios, ameaçando a biodiversidade, prejudicando a saúde humana e afetando de forma injusta os mais vulneráveis. A emergência é real (...) e a responsabilidade recai sobre nós", afirmou.
Em discussão há três anos, o texto precisa ser juridicamente vinculante para os países. "Não será alcançado automaticamente", advertiu Valdivieso, ao receber delegados de mais de 600 ONGs que acompanham as negociações.
"Houve muita diplomacia desde Busan", declarou à AFP a diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Inger Andersen, que organiza a reunião.
"Vai ser fácil? Não. Vai ser simples? Não. É complexo? Sim. Há um caminho para chegar a um tratado? Absolutamente", declarou a diplomata, que também afirmou estar "determinada" a alcançar um acordo.
Segundo Valdivieso, "lições foram aprendidas desde Busan", e as ONGs terão acesso aos grupos de contato que discutem os pontos mais sensíveis: as substâncias químicas que devem ser proibidas e os limites máximos de produção.
Artistas e cientistas pressionam por ação
Na segunda-feira (4), cientistas e organizações não governamentais reforçaram a pressão sobre os negociadores. O médico e pesquisador Philip Landrigan, do Boston College (EUA), alertou que as pessoas mais vulneráveis — especialmente crianças — são as mais afetadas pela poluição plástica.
Para chamar atenção dos participantes, uma instalação artística foi montada em frente à sede da ONU. Batizada de A carga do pensador, a obra reproduz a famosa estátua de Auguste Rodin envolta por um mar de resíduos plásticos. O autor, o artista e ativista canadense Benjamin Von Wong, espera que os delegados reflitam sobre "o impacto da poluição por plásticos na saúde humana".
Indústria defende uso do plástico
O setor químico também marcou presença nas discussões. O porta-voz do Conselho Americano da Indústria Química, Matthew Kastner, afirmou que o plástico é “vital para a saúde pública”, por estar presente em equipamentos médicos estéreis, máscaras cirúrgicas, tubos e embalagens que garantem higiene e segurança alimentar.
O argumento foi criticado por representantes da sociedade civil. Graham Forbes, chefe da delegação do Greenpeace, pediu na segunda-feira "a interrupção da produção de tanto plástico para deter a crise da poluição".
"Nossa prioridade é conseguir reduzir a produção de plástico", reforçou Seema Prabhu, da ONG suíça Trash Hero World, que atua principalmente no Sudeste Asiático. Segundo ela, a região concentra muitas fábricas petroquímicas, e a transição precisa ser justa: com criação de empregos em atividades como reutilização, reciclagem e coleta de resíduos.
"Microplásticos estão por toda parte", alerta cientista
As negociações precisam resultar em um tratado ambicioso, afirma o professor Richard Thompson, especialista em lixo marinho. O The Guardian destaca que, para ele, os delegados devem agir com urgência:
"Agora está claro que a poluição por plástico contamina nosso planeta dos polos ao Equador. Encontramos microplásticos em nossos oceanos mais profundos e em nossas montanhas mais altas. Há evidências de exposição humana desde o útero até toda a vida".
Thompson foi nomeado uma das 100 pessoas mais influentes de 2025 pela revista Time, por seu trabalho pioneiro sobre poluição plástica.
A produção de plástico - a grande maioria proveniente de combustível fóssil - disparou nas últimas décadas. Passou de dois milhões de toneladas, na década de 1950 - para 475 milhões de toneladas.
Cientistas estimam que há mais de 200 trilhões de pedaços boiando pelos oceanos, que são fontes cruciais de alimentos. O material, além de ameaçar a vida marinha, traz danos à nossa saúde, podendo causar vários tipos de câncer ou doenças respiratórias.
G1