Cientistas estão alertando que os incêndios florestais em todo o mundo este ano são "os maiores em escala e emissões estimadas" por quase duas décadas. Dados da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, e do Sistema Copernicus, da União Europeia, revelam que os incêndios em Nova Gales do Sul (Austrália), no Ártico Siberiano, na costa oeste dos Estados Unidos e no Pantanal brasileiro foram os maiores de todos os tempos, com base nos 18 anos de dados sobre incêndios florestais globais compilados pelas organizações.
Mas quão sério é o impacto ambiental?
Bacia Amazônica e Pantanal
Imagens de satélite da Nasa e outras organizações internacionais de pesquisa ambiental mostram que os incêndios florestais estão se espalhando na bacia amazônica no Brasil.
Maior floresta tropical do mundo, a Amazônia é um reservatório de carbono vital que diminui o ritmo do aquecimento global.
É também o lar de cerca de 3 milhões de espécies de plantas e animais e 1 milhão de indígenas.
Especialistas dizem que a região voltou aos níveis de desmatamento observados pela última vez há uma década.
"Você pode não ver incêndios como os da Califórnia, porque os da Amazônia continuam muito baixos, mas causam mais danos", diz Paulo Moutinho , cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
"As árvores podem morrer lentamente em poucos anos".
"Um hectare de floresta na Amazônia tem 300 espécies de plantas e árvores, em comparação com a Califórnia, que tem apenas 25."
Dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) revelam que o número de incêndios na Amazônia aumentou 28% entre julho de 2019 e julho de 2020.
Ao contrário das condições de seca na costa oeste dos Estados Unidos, os incêndios florestais no Brasil são causados principalmente pelo desmatamento, que alguns ambientalistas dizem ser motivados pelas políticas governamentais pró-agricultura e mineração.
Mas não são apenas as florestas tropicais da América do Sul que estão queimando. Ao sul da Amazônia, no Pantanal, os incêndios também estão intensos.
O bioma se estende por Brasil, Paraguai e Bolívia e é uma das áreas de maior biodiversidade do mundo.
O fogo já destruiu 15% da região, com 2,3 milhões de hectares.
Até quinta-feira (17), foram quase 16 mil focos de incêndios, o maior número de queimadas desde 1998, quando o Inpe começou a contabilizar essas estatísticas.
Só na primeira metade do mês de setembro, o número de focos já é quase duas vezes maior do que em todo o mês do ano passado. No acumulado de janeiro a setembro, o número de incêndios triplicou em relação ao mesmo período de 2019.
Em entrevistas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e o próprio presidente Jair Bolsonaro atribuem os incêndios a uma combinação de fatores: uma seca mais forte que anos anteriores e um acúmulo de vegetação seca, que pegaria fogo mais facilmente.
Savana e pradarias da África
Imagens de satélite também mostram incêndios florestais densos na África tropical, através da savana e pradarias onde, a cada ano, ocorre a maioria dos incêndios florestais do mundo.
Mesmo que esses incêndios pareçam ser bastante densos, os cientistas dizem que isso não significa necessariamente que terão um impacto ambiental mais severo.
"A maioria desses incêndios na África é um processo natural que vem acontecendo há milhares de anos", diz Niels Andela, professor da Escola de Ciências da Terra e do Oceano na Universidade de Cardiff.
"É assim que a vegetação se regenera na região."
Esses incêndios florestais africanos também são vistos como menos prejudiciais porque as savanas e pradarias regeneradas absorvem parte do carbono que é emitido durante a queimada.
Florestas tropicais da Indonésia
Embora a temporada de incêndios florestais na Indonésia tenha começado há alguns meses, as províncias de Kalimantan Central e Sumatra ainda continuam sofrendo com os incêndios florestais.
O Greenpeace disse que 64 mil hectares de floresta já haviam sido queimados até o fim de julho, embora esse número seja menor do que o do ano anterior.
A terceira maior província do país, Kalimantan Central, declarou Estado de emergência em julho, depois de registrar mais de 700 incêndios.
Os ambientalistas dizem que o impacto econômico da Covid-19 levou a reduções orçamentárias significativas, impactando o patrulhamento das florestas e a prevenção de incêndios.
Turfeiras árticas
Quando os incêndios na Califórnia começaram a aumentar no mês passado, o Círculo Polar Ártico já havia experimentado tragédia semelhante. As chamas queimaram a vegetação nativa, a tundra, e cobriram de fumaça as cidades siberianas.
Esses incêndios no Ártico emitiram um recorde de 244 megatoneladas de dióxido de carbono — 35% a mais do que todo o ano passado, de acordo com o Serviço de Monitoramento da Atmosfera Copernicus.
Especialistas dizem que a razão para o aumento significativo nas emissões pode ser a queima das turfeiras — onde os solos são ricos em carbono.
Segundo eles, um inverno e uma primavera mais quentes foram parcialmente responsáveis pelos incêndios.
Consequências ambientais
Todos os anos, cientistas dizem que uma área de cerca de 4 milhões de quilômetros quadrados de floresta, tamanho aproximado da União Europeia, é queimada por incêndios florestais. Isso tem um sério impacto na biodiversidade e nos ecossistemas mundiais.
Os incêndios florestais fazem parte de um perigoso ciclo de retroalimentação. Os incêndios liberam uma quantidade significativa de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa. Isso torna a Terra mais quente e, por sua vez, as florestas mais secas, aumentando a probabilidade de incêndios florestais.
No início desta semana, a ONU alertou que o mundo falhou em cumprir totalmente todas as metas de proteção da biodiversidade que estabeleceu para esta década.
Um relatório da Plataforma de Política Científica Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos advertiu no ano passado que cerca de 1 milhão de espécies animais e plantas estão ameaçadas de extinção, um recorde na história da humanidade.
Quando florestas queimam, emitem grandes quantidades de CO2 na atmosfera, o que acelera o aquecimento global.
"Neste ponto, os incêndios somam 5% das emissões anuais dos EUA e 0,7% das emissões globais anuais de CO2", diz Pieter Tans, um cientista climático sênior da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA.
Os incêndios florestais poluem o ar, o que também gera um impacto na saúde pública. Cientistas atmosféricos dizem que os poluentes podem viajar por longas distâncias e se tornar mais tóxicos quando interagem com a luz solar e outros elementos.
"No caso da Califórnia e do Oregon, a fumaça se tornou parte da corrente de jato, o que leva a um transporte relativamente rápido para a Europa (uma distância de 8 mil quilômetros) ao longo de alguns dias", diz Mark Parrington, cientista atmosférico sênior do Serviço de Monitoramento da Atmosfera Copernicus.
"Mas o maior risco para a qualidade do ar e para a saúde humana está perto da fonte, onde a qualidade do ar foi seriamente degradada."
Coronavírus e qualidade do ar
Cresce também o temor com o aumento do risco de casos graves de Covid-19 dentro e ao redor de locais com incêndios florestais.
"No Brasil, a infecção por Covid em indígenas é mais de 150% maior do que no resto da população", diz Moutinho, do IPAM.
"Uma vez que muitos desses povos indígenas estão em lugares próximos ou envolvidos em incêndios florestais, há preocupações de que a poluição do ar possa estar contribuindo para o nível de infecções."
Alguns estudos relacionaram a poluição do ar com casos graves de Covid-19. A Organização Mundial da Saúde já alertou os países sobre essa possível ligação.
BBC