Uma carta de cientistas publicada no periódico científico EBioMedicine, do grupo da prestigiada Lancet, recomenda que apenas uma dose das vacinas de mRNA — Pfizer ou Moderna — seja dada para pessoas que já tiveram Covid-19.
A publicação traz uma revisão de estudos sobre o assunto que revela que pessoas que foram infectadas pelo Sars-CoV-2 desenvolvem anticorpos neutralizantes que seriam capazes de protegê-las da doença. Assim, a primeira dose da vacina serviria como um reforço, de forma similar à segunda dose dada para quem não foi infectado. Isso valeria para quem teve Covid-19 sintomática ou assintomática há, no mínimo, um mês ao máximo de seis meses.
“Há uma necessidade urgente de desenvolver políticas que maximizem o número de pessoas que recebem vacinas sem sacrificar a eficácia da proteção imunológica, uma vez que ainda estamos no meio da pandemia de Covid-19 com um fornecimento limitado de vacinas”, afirmam os cientistas.
Segundo eles, a opção de dar apenas uma dose para quem já foi infectado é mais segura do que adiar a segunda dose, como muitos países vêm fazendo para alcançar um número maior de imunizações.
“Acreditamos que a melhor solução é fornecer aos indivíduos que já tiveram uma infecção por Sars-CoV-2 apenas uma (em vez de duas) vacinas de mRNA autorizadas. Evidências emergentes do mundo real sugerem que as respostas de anticorpos à primeira dose de vacina em indivíduos com infecção prévia são iguais ou excedem os anticorpos encontrados em indivíduos virgens [que ainda não tiveram contato com o vírus] após a segunda dose. Mudar a recomendação atual da vacina para fornecer apenas uma dose da vacina aos sobreviventes da Covid-19 liberaria muitas doses de vacina necessárias com urgência. Com as vacinas adicionais disponíveis, não haveria necessidade de atrasar a segunda dose da vacina para indivíduos virgens.”
Mais de 149 milhões de pessoas em todo o mundo (32 milhões nos EUA) foram diagnosticadas com infecção pelo Sars-CoV-2 desde o início da pandemia há mais de um ano. No Brasil, dados do consórcio de veículos de imprensa mostram que, até o momento, há 16,2 milhões de casos notificados.
Os cientistas relatam que em algumas cidades dos EUA, duramente atingidas durante a primeira onda pandêmica, como Nova York, cerca de 20 a 25% dos habitantes têm anticorpos para o novo coronavírus.
“Assim, em algumas regiões com alta porcentagem de infecções prévias confirmadas, o suprimento de vacina de mRNA poderia aumentar instantaneamente sem nenhum aumento significativo nos recursos, liberando doses para ajudar a conter a pandemia mais rapidamente e potencialmente salvando vidas.”
Para o infectologista Alexandre Naime Barbosa, chefe do Departamento de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a posição dos cientistas é “interessante”, mas há obstáculos para colocar essa estratégia em prática no Brasil:
— Ainda não tem efetividade comprovada, isso é uma via que ainda precisa ser explorada. Também tem a questão de saber se funciona para as variantes, só consideraram a variante britânica. Além disso, não temos vacina de RNA em larga escala e, na minha opinião, as que temos devem ser destinada a gestantes no Brasil.
A Pfizer entregou ao Brasil cerca de 3,4 milhões de doses da sua vacina. As doses fazem parte do acordo firmado em março para disponibilização de 100 milhões de imunizantes ao país até o fim do terceiro trimestre deste ano. Em maio, o Ministério da Saúde firmou um novo acordo para 100 milhões de doses adicionais.
Assinam a carta aberta pesquisadores da Universidade de Maryland, Escola de Medicina da Universidade de Nova York, Icahn Escola de Medicina Monte Sinai (todas nos EUA), Universidade Queen Mary (Reino Unido), e Universidade Humanitas (Itália).
O Globo