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Erasmo compara artistas no palco a cachorros e se diz 'cãozinho cansado'
Música
Publicado em 02/09/2014

Após cancelar o show que faria em São Paulo no dia 17 de maio, devido à morte do filho três dias antes, Erasmo Carlos volta à cidade na sexta-feira (6). Ele desmarcou só duas datas mais próximas do acidente que matou Carlos Alexandre Esteves. Uma semana depois, o artista de 73 anos já cantava no Rio, e agora sobe em palco paulistano, na turnê do disco "Gigante gentil" (2014). A data em SP tem participação de Marcelo Jeneci e Luis Carlini.
 
"[Meu filho] gostaria que eu continuasse. Por que parar? A vida continua. Ele era artista também, sabia dessa filosofia de estar no palco", diz o Tremendão ao G1. "É uma vontade de estar junto dele para sentir o que está enfrentando agora. A religião que diz ele está bem, com Deus, num jardim florido, todo de branco. Isso ninguém sabe (...) [Fico] na certeza que um dia a gente vai se encontrar em outro lugar. Ou não", reflete.
 
Na conversa, ele também compara artistas a "cachorros que abandam o rabo quando o dono faz carinho" e se diz um "cãozinho cansado". "O corpo não acompanha a mente". Mesmo assim, trabalha em ritmo incomum para um artista consagrado no Brasil. Em cinco anos, lançou três discos de inéditas. Seu parceiro Roberto Carlos, por exemplo, não lança um disco completo de novas composições desde 2003. "Eu tenho esse ímpeto de criar", justifica o autor de "Mundo cão".
 
G1 - Aos 73, você faz turnê de um disco enérgico de rock. Faz alguma preparação especial para o palco?
Erasmo - Minha técnica é não ter técnica. Seja o que Deus quiser, o momento é que me faz. Eu não programo nada. Por isso eu sempre fico ansioso. O público é diferente, a cultura da cidade é diferente. Essa ansiedade não é por medo, mas pela vontade que tudo saia direito. E que o público goste daquilo que você está se propondo a fazer, porque essa é a nossa função: que todo mundo fique feliz. Assim como o cachorro que faz uma coisa, o dono faz carinho, e ele abana o rabo. Assim é um artista. 
 
G1 - Mas você não fica cansado?
Erasmo - O cachorrinho se sente feliz, mas está cansado. A parte física hoje em dia, não acompanha a mente.
G1 - Não seria mais cômodo fazer menos shows e discos, como outros artistas consagrados? Você parece ter um ímpeto diferente. 
Erasmo - Cada um escolhe seus caminhos. Minha vida é compor. Eu sou compositor, não cantor. Canto por consequência da música que faço. O meu desejo é esse. Compor, gravar, esse processo me fascina muito. Ver uma coisa que eu faço na solidão do meu quarto ganhar o mundo. Eu tenho esse ímpeto de criar. Para mim seria fácil ficar satisfeito com o que já fiz e viver daquilo. Aí eu seria um escravo do passado, um infeliz. Não me sentiria bem na vida.
 
G1- Você é uma referência do rock brasileiro. O gênero está em baixa hoje, perdendo para outros estilos no mercado. Para você, por que isso acontece?
Erasmo - Eu continuo fazendo rock, não me importa se é moda ou não. Porque é assim que eu me sinto feliz. E acho que música boa pode ser rock ou o que for. A minha responsabilidade comigo é fazer música boa. O que é moda, o que paga para tocar, tem várias coisas discutíveis que traduzem o gosto popular. Eu prefiro ficar com duas pessoas que gostam de mim do que com 600 mil que me tratem como descartáveis. Prefiro ficar com as duas pessoas para sempre.
 
G1 - Você acompanha artistas novos? Como conhece música nova: pela internet, compra discos, quem te apresenta?
Erasmo - A todo minuto tem coisa nova. Não guardo o nome de ninguém. Porque nada mais me arrepia. Continuo me arrepiando com as coisas antigas. Eu vi o nascer do rock and roll e foi aquela maravilha inexplicável, só pra quem viveu mesmo. Tiveram coisas depois que me arrepiaram, como Beatles quando surgiram. E eu nunca mais vi nada novo. Tudo hoje em dia acho que é um desdobramento do que já foi feito, e o que me arrepiou foi feito.
G1 - Isso não é muito desanimador?
Erasmo - É desanimador, mas você tem a obrigação de continuar fazendo. Procurar o novo. O novo não surgiu, mas algum dia surgirá.
G1 - Nenhum artista recente te chamou atenção?
Erasmo - Não, porque nada de novo que surge chega aos pés dos Mutantes, dos Secos e Molhados. Eram inovações reais, cara. Música, atitude, aquela coisa maravilhosa. Aquela coisa que a gente fica estarrecido. É você ficar petrificado vendo o show da banda. Eu nunca mais vi nada parecido.
 
G1 - Você fez três discos em cinco anos. Pretende manter o ritmo? Já pensa no próximo?
Erasmo - Minha vida é sempre acumular ensinamentos, filosofias, coisas que ouço. Alguém fala alguma coisa interessante e eu guardo, anoto, gravo. Fico uns dois anos acumulando essas coisas. Dando refresco em certas harmonias, esquecendo certas coisas de propósito e querendo conhecer outras. Quando sinto necessidade de tocar, junto essas coisas todas anotadas, e começo a compor. Geralmente sai uma leva de quarenta, cinquenta músicas. Daí eu tiro dez ou doze para desenvolver o disco.
G1 - Há algum plano de voltar a compor com o Roberto Carlos?
Erasmo - Se tiver necessidade... Ele não grava há um tempão. Antigamente era um disco por ano, a gente estava sempre compondo. Agora parou de gravar, é um disco uma vez ou outra. Então a gente não tem mais se encontrado para compor. Mas eu, como sou compositor, tenho feito sempre. Se não for ele, é outro parceiro. Se não for outro, sou eu sozinho.
 
G1- Como avalia agora sua opção de continuar trabalhando pouco tempo depois da morte do seu filho?
Erasmo - Foi um choque muito grande. Lógico, no dia em que aconteceu não deu para fazer show em Brasília e aqui em São Paulo, dois ou três dias depois. Depois cheguei à conclusão de que ele gostaria que eu continuasse. Por que parar? A vida continua, o show não pode parar. Ele era artista também, sabia dessa filosofia de estar no palco.
Tive uma reflexão interessante. Quando eu estava sofrendo, em uma certa hora, me peguei sendo egoísta. Cheguei à conclusão que a maioria das pessoas é egoísta na hora de uma perda, porque imediatamente pensa em si. "Como será minha vida sem fulano? Não tenho mais ele, não vou ter mais o carinho dele." O primeiro sentimento é esse de egoísmo. Não deve ser assim para a pessoa que ama. Na hora da perda, deve pensar na pessoa que foi. "Onde estará agora? Será que está bem, está mal? O que estará enfrentando agora?".
É uma vontade de estar junto dele para sentir o que ele está enfrentando agora. Tem a religião que diz ele está bem, com Deus, num jardim florido, todo de branco. Isso aí ninguém sabe. Estou falando a reflexão real do ser humano. É o desconhecido, a gente não sabe onde a pessoa amada está, ou se está, ou se existe, a gente não sabe nada.
 
G1 - Mas você tem um palpite, acredita em algo?
Erasmo - Acredito em fazer o bem quando vivo. Quando acontece a morte não acredito em nada, porque não sei, não tenho comprovação nenhuma. Não é a religião que vai me dizer. Porque a minha religião é o bem. Eu faço o bem e estou satisfeito como vivente, sabendo que estou cumprindo a missão que eu me dei. Isso me deu mais força em continuar fazendo o que estou fazendo. E na certeza que um dia a gente vai se encontrar em outro lugar. Ou não.
 
Serviço:
Erasmo Carlos em São Paulo
Quando: Sexta-feira (6)
Preços: De R$ 60 a R$ 180 (camarote)
Local: HSBC Brasil - R. Bragança Paulista, 1281
Ingressos: Ingressorapido.com.br
 
G1
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