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'Igreja nenhuma é a solução', diz padre excomungado em Bauru
14/10/2014 09:40 em Notícias Região
Depois de um ano e meio da excomunhão do padre Roberto Francisco Daniel, em decisão tomada pela Diocese da Igreja Católica de Bauru (SP), padre Beto, como é conhecido, afirmou que deixar o altar após 15 anos fez surgir novas perspectivas. Em entrevista ao G1 durante lançamento do seu livro no dia 9 de outubro - “Jesus e a Sexualidade” - padre Beto também contou que não tem saudades do período em que celebrava missas e que o “Brasil é repleto de igrejas, mas não vive como um país cristão”.
“A excomunhão abriu muito mais portas para que a gente pudesse veicular a nossa teologia na qual eu fui formado. Mas, meu estilo de vida e a minha forma de viver não mudou. Continuo sendo padre, continuo atendendo as pessoas. Sou chamado a velórios, a hospitais para atender pacientes, muitas vezes em fase terminal, que querem uma última palavra, e também celebro casamentos. Quer dizer, continuo vivendo a minha vida de padre”, enfatizou.
Apesar de ainda exercer a função de padre, ele acredita que a igreja já não é mais o caminho correto a seguir. “Acho que igreja nenhuma é solução. O Brasil é repleto de igrejas, mas não vive como um país cristão. Temos milhões de igrejas e o brasileiro louva demais a Deus. Somos a sétima potência do mundo e não vivemos como tal. Temos um sistema de saúde indecente e um sistema educacional também indecente. Esse é um país não cristão”, opina o ex-padre
 
A atitude da Diocese em aplicar a excomunhão partiu diante do pedido de retratação e retirada dos conteúdos publicados em redes sociais, onde o padre discute temas polêmicos, como a relação entre pessoas do mesmo sexo, fidelidade, casamento e necessidade de mudanças na estrutura da igreja. O tema homossexualismo, inclusive, foi assunto de um documento do Vaticano divulgado na segunda-feira (13), onde declarou que os homossexuais têm “dons e qualidades a oferecer” e indagou se o catolicismo pode aceitar os gays e reconhecer aspectos positivos de casais do mesmo sexo.
Padre Beto defende a postura do Papa Francisco, mas disse que a santidade terá muita dificuldade pela frente. “Acredito que ele terá grande dificuldade porque os papas João Paulo Segundo e Bento XVI, que pertencem a uma mesma linha teológica, apesar de terem personalidades muito diferentes, conseguiram formar gerações muito conservadoras dentro da igreja. Acho que o papa atual vai ter grande dificuldade. Mas eu ficaria alegremente surpreso com novidades”, enfatizou.
 
Ainda sobre a sexualidade, padre Beto continua dando os seus “sermões” envolvendo o tema. “Quero alertar o eleitor que a moral sexual cristã atual está extremamente defasada. E, por isso, ela causa muito mais mal do que bem. A função da sexualidade não é a reprodução, é uma das pequenas funções. A sexualidade é a nossa maneira de ser prazerosamente no mundo. Abordo desde o prazer, masturbação, sexo antes do casamento, família, modelo familiar, métodos contraceptivos. Procurei desenvolver uma teologia em cima disso”, explicou.
Mesmo não sendo mais obrigado a seguir as normas da igreja católica, padre Beto não pretende formar uma família. “Estou com 49 anos e muito bem sozinho. E não me vejo mais com uma família e com filhos. Acho que não tenho mais idade para isso. Me acostumei a viver sozinho".
 
Saudades
 
Durante a entrevista, padre Beto foi direto ao responder se sente saudades de voltar a celebrar missas na igreja. “Saudades, vou dizer que não tenho. Parece esquisito isso, mas não tenho não. Já vinha em um processo de entender que igreja em si, ela mais proporciona uma mentalidade de rebanho do que uma mentalidade que leve à autenticidade, ao pensamento próprio, à reflexão. Lutei 15 anos para conscientizar as pessoas de que ser cristão é pensar por si mesmo. É entender o que é amar e procurar refletir o que é o amor. E não seguir regras. A igreja não pode ser isso, infelizmente ela é. Então, já não é mais o meu lugar. Acho que meu lugar é mundo, é contribuir para a reflexão e para as pessoas entenderem que temos que caminhar com as próprias pernas”.
Padre Beto também declarou não sente mágoas da Diocese de Bauru e que enviaria dois exemplares do seu novo livro para a igreja. “Vou mandar um livro para o bispo e para o conselho de presbíteros”.
Processo
Um processo na Justiça comum foi aberto por dois advogados do padre Beto. Um pedido de medida cautelar foi protocolado no ano passado para obter o direito de defesa no processo canônico, que expulsou o pároco da igreja. No entanto, em julho deste ano, a Justiça de Bauru rejeitou o pedido para que o processo da excomunhão fosse reaberto.
Na sentença, o juiz da 6ª Vara Cível de Bauru, André Luiz Bicalho Buchignani, disse que o estado deve respeitar a soberania do Vaticano, já que o direito canônico possui autonomia. Ainda segundo o juiz, o judiciário só poderia interferir em decisões internas da Igreja se contrariassem os princípios institucionais.
Já o processo aberto no âmbito diocesano, que pede a demissão do estado clerical do padre Beto, ainda está sob análise do Vaticano.
A Diocese de Bauru informou que não se pronuncia mais sobre o caso da excomunhão.
 
G1
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