No coração da floresta amazônica será construída a primeira igreja indígena financiada pelo Vaticano no Brasil. O projeto foi feito de graça por dois arquitetos paranaenses, e a previsão do início da obra é para o segundo semestre de 2020.
Levando o nome de Igreja Matriz Nossa Senhora de Lourdes, o local deve servir de refúgio e encontro da comunidade indígena Yanomami, que vive na região de Maturacá, próximo ao Pico da Neblina, norte do estado do Amazonas.
De acordo com o padre Thiago Faccini, que é assessor do setor de espaço litúrgico na Comissão Episcopal Pastoral para Liturgia na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a obra deve atender mais de cinco mil indígenas.
"O projeto tem uma identidade. Ele foi pensado exclusivamente para aquele povo. Não é apenas mais uma igreja. Essa obra pretende servir como uma luz no meio da Amazônia. É esperança, é fé no amanhã", relatou.
Faccini contou que a ideia de ter uma igreja indígena surgiu dos próprios Yanomami em 2016, durante uma visita do núncio apostólico - representante diplomático permanente da Santa Sé que exerce o posto de embaixador no Brasil - à Diocese de São Gabriel da Cachoeira, em Manaus.
Sensibilizados com a história da comunidade e da fé dos indígenas, o pedido foi encaminhado ao Papa Francisco, em Roma, que pediu para que fosse elaborado um projeto para viabilizar a obra.
A estrutura
Conforme os arquitetos Tobias Bonk e Teresa Cavaco, de uma empresa paranaense considerada referência nacional em arquitetura religiosa e arte sacra, a igreja será circular, com 32 metros de diâmetro, representando Jesus Cristo como centro de tudo, a igualdade e a unidade dos irmãos.
Além disso, a estrutura terá 25 metros de altura.
"Nos espelhamos nas construções típicas deles, as aldeias-casa feitas com palha e madeira. Terá uma abertura central na estrutura para manter o elemento de 'ligação' com o mundo espiritual. Ali será possível a entrada da luz e do sol, por isso que a igreja será alta", explicou Bonk.
A Igreja Matriz Nossa Senhora de Lourdes terá capacidade para cerca de 500 pessoas, com 875,49 m² e oito lados, com paredes que permitirão ventilação.
"As obras sacras serão produzidas por eles, com tramas artesanais e sementes. Assim, conseguiremos potencializar ainda mais a inculturação, a maneira como eles vivem, se relacionam, veem o mundo", contou o arquiteto.
Arquitetos paranaenses fazem projeto para construção da primeira igreja indígena Yanomami do Brasil, na Amazônia — Foto: Divulgação/Creatos Arquitetura Arquitetos paranaenses fazem projeto para construção da primeira igreja indígena Yanomami do Brasil, na Amazônia — Foto: Divulgação/Creatos Arquitetura
Arquitetos paranaenses fazem projeto para construção da primeira igreja indígena Yanomami do Brasil, na Amazônia — Foto: Divulgação/Creatos Arquitetura
A matriz terá uma espécie de três camadas:
A externa: para o encontro dos indígenas
A de transição: para os Yanomami passarem do lado de fora para o espaço sagrado
A interior: para a celebração em si
Segundo o padre Faccini, os índios Yanomami foram catequizados pelos padres salesianos. Portanto, as missas serão celebradas pelos sacerdotes que atendem a região.
Transporte dos materiais
Tobias Bonk ressaltou que não há como definir uma data para a obra ser totalmente concluída, mas considerando o ritmo normal das construções sacras, a previsão é de que leve, no mínimo, 18 meses.
"O maior desafio dessa obra é levar os insumos para lá porque como estamos no coração da Amazônia, só conseguimos chegar de barco. Vamos conversar com o Governo e órgãos oficiais para ver se podemos conseguir alguma ajuda nisso", disse Bonk.
O pedido
Os índios Yanomami relataram ao núncio, ao arcebispo italiano Dom Giovanni D'Aniello e ao bispo de São Gabriel da Cachoeira, Dom Edson Damian, o desejo de ter uma espécie de catedral na região deles.
"Porém, para ser catedral precisaria ter um bispo, uma sede lá, e essa não é a realidade. Eles iam para a cidade e viam as igrejas enormes e tinham essa vontade de poder rezar mais próximo de seus lares e com as tradições deles", explicou Faccini.
Dom Edson Damian fez a solicitação à CNBB que, a partir disso, perguntou aos arquitetos paranaenses se eles poderiam idealizar esse projeto.
"Aceitamos na hora. Fomos para lá em julho de 2016, levamos cinco dias para chegar até a tribo. Aprendemos muitas coisas com eles, participamos dos rituais, do dia a dia, visitamos todas as aldeias, conversamos muito com os padres e o bispo regional. Um projeto diferente e que precisava, mais do que nunca, respeitar os costumes, a tradição indígena e também cristã", relatou o arquiteto Bonk.
Conforme Bonk, o projeto passou pelas mãos do Papa e, no início deste ano, veio a aprovação para iniciar a construção da igreja indígena. Além disso, há cerca de um mês, parte do valor da obra foi repassada pelo Vaticano para as autoridades católicas.
"A estimativa inicial é de R$ 800 mil, mas sabemos que ainda faltam os projetos complementares que tendem a aumentar o valor. Mas, vai valer a pena. Atualmente, no local existe uma casa dos padres, um salão e uma quadra esportiva. Os índios rezam em nesse salão improvisado como uma espécie de capela", disse Bonk.
Neste mês, o projeto arquitetônico foi apresentado oficialmente durante o 12º Encontro Nacional de Arquitetura e Arte Sacra em Castanhal, no Pará.
"Como a gente trabalha com igreja, todos os projetos são especiais para nós, mas esse é singular por toda a motivação. Em um momento em que se fala tanto da Amazônia, ter um projeto visto pelo Papa deu um salzinho a mais. É uma honra fazer parte dessa grande obra", concluiu o arquiteto. (G1)