A Comissão Processante (CP) da Câmara de Vereadores de Marília (SP), que está apurando a conduta de uma vereadora por tentar impedir que seu carro fosse guinchado, ouviu na manhã desta terça-feira (20) o policial que fez a apreensão e acabou ameaçado por sua superior.
O caso ganhou repercussão depois que o áudio da conversa entre a tenente-coronel Márcia Crystal e o sargento da PM Alan Fabrício viralizou nas redes sociais. Na conversa, ela afirma para o sargento ter "bom senso" ao exercer suas funções ou seria transferido.
Essa foi a primeira oitiva da CP depois que o relatório sugerindo seu arquivamento foi derrubado pelo plenário da Câmara por 10 votos a 1 na última terça-feira (13). Com isso, foi mantida a investigação para avaliar se a vereadora Professora Daniela (PL) cometeu tráfico de influência e quebra de decoro parlamentar.
Antes do início dos depoimentos, o advogado da vereadora tentou cancelar a oitiva alegando que, sem a presença do relator, o vereador Mário Coraíni (PTB), que apresentou atestado médico, a sessão não poderia prosseguir. Mas a CP entendeu que isso não era impedimento e a defesa não tinha ordem judicial para isso.
O sargento da PM Alan Fabrício foi o primeiro a ser ouvido. Ele respondeu a mais de 20 perguntas sobre o dia da abordagem e apreensão do veículo, que pertence à vereadora e estava sendo dirigido pela filha. Um cabo que estava com o sargento no dia da ocorrência também foi ouvido.
À CP, o sargento disse que no dia que o carro foi apreendido a filha da vereadora não se identificou como tal. Ele só ficou sabendo que o carro pertencia à vereadora quando o marido dela chegou e começou a fazer ameaças, incluindo a de ligar para a comandante da PM local, a tenente-coronel Márcia Cristal.
O sargento disse que recebeu a ligação da comandante fazendo ameaças de transferências e reforçou que a vereadora cometeu duas infrações, uma de licenciamento atrasado e outra de pneus carecas.
O policial, que informou ter completado nesta terça-feira 23 anos de PM, disse que nunca passou por uma situação parecida de sentir sua autoridade ameaçada. Aos vereadores, ele afirmou que se sentiu “rebaixado e constrangido”.
Ele reforçou ainda que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) serve para todas as pessoas e que já chegou a recolher a motocicleta da filha de um tenente sem passar por situação deste tipo.
O PM disse que o laudo apresentado pela vereadora mostrando que os pneus não estavam carecas tem irregularidades e é tendencioso. Segundo ele, o policial tem autoridade para fazer esse tipo de avaliação visualmente.
O sargento ainda foi questionado sobre uma normativa da Polícia Militar que prevê que o veículo que tem o documento vencido com menos de 30 dias não pode ser apreendido.
Uma denúncia alega que uma ordem de serviço não pode se sobrepor ao CTB. O autor da denúncia, o advogado Marcos Manteiga, defensor do policial, entrou com um processo na Fazenda Pública para reconhecer a ilegalidade dessa normativa interna da Polícia Militar. O documento também foi entregue para a CP.
A Comissão Processante agendou para esta quarta-feira (21) as oitivas da comandante da PM, a tenente-coronel Márcia Cristal, e das testemunhas de defesa da vereadora.
Algumas delas já disseram que não poderão comparecer por problemas pessoais. Se elas não prestarem depoimento em até 48 horas, as investigações seguirão sem a oitiva dessas testemunhas.
Segundo o presidente da CP, vereador José Carlos Albuquerque (PSDB), depois desse prazo o advogado da vereadora tem cinco dias de prazo para apresentar a defesa. O relator tem mais cinco dias para devolver o processo para elaboração do relatório, que será votado pelo plenário para decisão pela cassação do mandato ou pelo arquivamento da denúncia.
Relembre o caso
A polêmica começou quando o carro da vereadora foi apreendido e guinchado por estar com documentos vencidos e pneus gastos, de acordo com o sargento.
Na ocasião, a vereadora ligou para a tenente-coronel Márcia Cristal, comandante do 9º Batalhão da Polícia Militar de Marília, que entrou em contato com o sargento e ameaçou trocá-lo de função caso não tivesse "bom senso" nas abordagens. Em seguida, o policial foi afastado.
Na ligação a que a TV TEM teve acesso, o policial explica que constatou que o carro da vereadora não tinha licenciamento e estava com os pneus gastos, motivo pelo qual decidiu abordar a filha dela, que dirigia o veículo, na Rua Carlos Botelho.
O policial informou, no áudio, que deu a oportunidade para que ela fizesse o pagamento via aplicativo, mas a jovem e o pai, que chegou ao local mais tarde, teriam dito que não tinham condições.
Depois de ouvir a história, a tenente-coronel pede para que o policial não ficasse “tumultuando” e diz que ele deveria ter apenas feito a orientação, sem apreender o carro.
“Porque isso daí é falta de bom senso, tá? Ela é vereadora. É, é, a condição, você pode muito bem estar fazendo e orientando, tá? E aí segunda-feira, ela pegaria o documento e não precisa apreender o veículo”, diz a tenente-coronel no áudio.
Em seguida, a comandante ameaça trocar o policial de setor se ele continuar agindo de tal maneira, já que ele teria desobedecido uma ordem superior.
“Se for desse jeito é o que eu to falando, você não vai estar mais segunda-feira no trânsito (...) porque essa aqui é uma ordem minha, você vai responder também”, continua a tenente coronel.
A conversa continua por mais alguns segundos e a tenente-coronel repete que o policial de trânsito deveria ter tido bom senso ao analisar a situação, já que a mulher é vereadora.
“Olha o que você tá causando, porque politicamente ela é vereadora. Não teve nem uma conversa, o que você está achando que você é?”, questiona no áudio.
O Comando do Policiamento do Interior da região de Bauru (CPI-4) informou que o policial que efetuou a apreensão não foi afastado, mas estava matriculado em um curso em São Paulo, agendado para o dia 24 de agosto.
Por causa disso, segundo a PM, ele não iria exercer suas atividades em Marília até a conclusão do curso, que aconteceu no último dia 4.
O sargento ficou em primeiro lugar no curso de Policiamento de Trânsito promovido pela corporação. Em um vídeo que circula nas redes sociais, é possível ver o momento que o segundo-sargento Alan Fabrício Ferreira é chamado para receber o troféu de 1° colocado e é aplaudido de pé pelos colegas.
Antes disso, ex-PMs também chegaram a fazer um protesto em solidariedade ao policial.
Retorno às ruas e ação do MP
O policial que recebeu as ameaças por telefone após guinchar o carro da vereadora voltou às suas funções no policiamento de trânsito que exercia nas ruas da cidade antes da polêmica.
A informação foi confirmada no último dia 8 de setembro, em nota do Comando do Policiamento do Interior da Região de Bauru (CPI-4), ao qual é subordinado o Batalhão de Marília.
Na nota, a PM informa que “o militar envolvido na ocorrência reassumiu a mesma função em que se encontrava” e que seu afastamento após a polêmica se deu para que ele pudesse frequentar um curso de especialização para o qual já estava matriculado.
O anúncio do retorno do policial às ruas de Marília aconteceu no mesmo dia em que o Ministério Público abriu um inquérito para investigar um possível ato de improbidade administrativa cometido pela tenente-coronel Márcia Cristal.
TVTEM