O ex-ministro da Fazenda, ex-presidente do BNDES e ex-secretário do Tesouro Nacional Joaquim Levy se entusiasma ao falar da floração de ipês e das espécies da Mata Atlântica que aparecem em seu fundo de tela enquanto dá entrevista via zoom à BBC News Brasil.
Nos últimos tempos, Levy tem se dedicado a estudar um tipo específico de mercado — o de carbono — e vê no Brasil condições de "caminhar rapidamente para uma economia de emissões zero com grandes benefícios", em linha com a urgência que o tema do aquecimento global tem despertado entre os líderes ocidentais.
A menos de uma semana do início da COP-26, a Conferência do Clima da ONU que acontece em Glasgow, na Escócia, com a missão de ser mais relevante para o planeta do que as resoluções do Acordo de Paris, há seis anos, Levy afirma que o empresariado brasileiro chegará ao encontro com ambições mais verdes e maiores do que o próprio governo, tendência que ele identifica também em outros países.
Levy integra o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS, uma associação civil sem fins lucrativos fundada por grandes empresários brasileiros inspirados nas discussões da Cúpula do Rio 1992) e tem viajado o país para verificar in loco iniciativas empresarias verdes, como as da chamada agricultura de baixo carbono.
Embora tenha deixado o governo Bolsonaro em julho de 2019 em um episódio tumultuado — Levy pediu as contas da chefia do BNDES depois de declaração do presidente de que sua cabeça estava "a prêmio" — ele não demonstra rancor nas moduladas críticas à atuação da atual administração.
De modo propositivo, diz que investidores internacionais estão atentos a métricas e a fim de atrai-los, seria importante para o Brasil trazer os níveis de desmatamento na Amazônia para os valores medidos em 2012, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) aferiu cerca de 4,5 mil quilômetros quadrados de floresta desmatada.
Em 2019 e 2020, o número encostou nos 11 mil quilômetros quadrados de perdas e atraiu intensas críticas internacionais e questionamentos à política ambiental de Jair Bolsonaro, que paralisou demarcações de terras indígenas e de reservas ambientais.
"Eu acho que toda política tem um ritmo de altos e baixos, isso é natural numa democracia. Evidentemente todo mundo vai aplaudir — ou muita gente vai aplaudir — se o Governo Federal vier a tomar alguma decisão de colocar terras em proteção ambiental", diz Levy.
Defensor histórico da austeridade fiscal e egresso da mesma Escola de Chicago que formou o ministro da economia Paulo Guedes, Levy também evitou dizer se o movimento feito pelo presidente Bolsonaro — de furar o teto de gastos para vitaminar o Bolsa Família e rebatizá-lo como Auxílio Brasil há menos de um ano da eleição — poderia ser definido como "pedalada fiscal", como disseram alguns de seus colegas, entre os quais o economista Edmar Bacha. "Eu não sei te dizer até porque eu nunca consegui apreender plenamente o que é o sentido de pedalada", disse Levy. Para ele, termos como "pedalada" ou "liberalismo" e "neoliberalismo" são "rótulos" que levam à perda de foco no debate público.
Levy, no entanto, afirmou que programas de redistribuição de renda, como o Bolsa Família, funcionam porque "são desenhados com bases racionais, não são de curto prazo, não são para ganhar uma eleição". "Eu acho que uma lição importante no Brasil é que políticas mais personalistas ou clientelistas tipicamente são menos eficientes", disse.
E embora defendesse que um aumento de 30% do benefício pudesse ter sido feito por decreto e sem gerar mal estar no mercado — que teve na semana passada seu pior período desde o início da pandemia — enquanto que o aumento de 100% pedido por Bolsonaro forçou ao rompimento do teto, Levy ecoou as explicações de Guedes sobre a manobra ao dizer que "a nossa situação é relativamente positiva no curto prazo fiscalmente, as receitas vão boas. Nesse sentido, dado que ainda têm populações que estão em dificuldades, a gente deve tentar atendê-las? Sim. Se é em cima do teto, fora do teto, eu não sei".
Para Levy, a discussão não é sobre a regra fiscal, mas sobre como se tenta fazer mudanças duras nos ramos do país sem informar e conscientizar a população de seus objetivos finais. Segundo ele, os políticos brasileiros ainda não entenderam que "o povo não gosta de populista, o povo gosta de ver os resultados".
BBC