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Fogo mais que dobrou em 11 estados e no DF; entenda origem da fumaça e causas da crise ambiental no Brasil
Brasil
Publicado em 12/09/2024

A fumaça que cobre o país vem, principalmente, de onze estados e do Distrito Federal (DF), de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O mapa do fogo mostra que, nestas unidades da federação, o total de focos de incêndio mais que dobrou entre 1º de janeiro e 10 de setembro, na comparação com o mesmo período do ano passado.

O fogo é usado não só para o desmatamento, mas nos processos agropecuários, como limpeza e renovação de pastos. Todos os anos, de julho a agosto, o país enfrenta a temporada do fogo, principalmente na Amazônia, o que castiga quem mora na região, que fica sufocada com a fumaça.

No entanto, este ano, a situação é diferente. Como revelou o g1, o Brasil vive uma seca nunca antes vista em sua história recente, e o fogo mais que dobrou em quase metade dos estados do país, espalhando a fumaça. No Sudeste, por exemplo, todos os estados mais do que dobraram os índices. (Entenda mais abaixo)

O g1 analisou dados e ouviu especialistas que explicam de onde vem a fumaça e quais as causas das crises dos incêndios. Veja abaixo um resumo da situação atual e, em seguida, a análise completa:

* O fogo, usado principalmente no desmatamento e atividades agropecuárias, aumentou devido a uma seca histórica, que deixou a vegetação extremamente vulnerável.
* No Sudeste e no Centro-Oeste, os incêndios mais que dobraram, como em São Paulo, por exemplo, onde houve aumento de 400% nos focos de fogo.
* Dados do Inpe mostram que na Amazônia apenas 15% dos incêndios estão ligados ao desmatamento; o restante é causado por atividades agropecuárias e condições de seca.
* Segundo especialistas, essa fumaça vem de queimadas que se espalham além das áreas desmatadas, atingindo ecossistemas no Pantanal, no Cerrado e na Amazônia, onde os incêndios afetam vegetações nativas que não estão adaptadas ao fogo.

De onde vem a fumaça?

Os especialistas explicam que todos os anos na temporada de queimadas, que acontece de julho a outubro, há fumaça na atmosfera, mas poucas vezes ela foi vista no Sudeste e no Sul, por exemplo. O Rio Grande do Sul, que não tem alto índice de fogo, teve uma chuva preta, resultado da fumaça sobre o estado.

Segundo os dados do Inpe, a alta do índice de incêndios no país e, consequentemente, da fumaça é puxada pelas regiões Sudeste e Centro-Oeste, onde todos os estados mais que dobraram os números.

Entre 1º de janeiro e 10 setembro, os índices mostram que os focos de queimadas mais que dobraram em onze estados (ES, GO, MT, MS, MG, PA, RJ, RO, RR, SP, TO) e no Distrito Federal, em comparação com o ano passado. Há estados em que a alta é de mais de 600%. (Veja o gráfico abaixo)

Em São Paulo, por exemplo, onde o céu está coberto de fumaça há quase uma semana, o fogo aumentou mais de 400%. São 6,3 mil focos de fogo esse ano (entre 1º de janeiro e 10 setembro), contra 1,2 mil no ano passado. Isso está sufocando o estado com fumaça e derrubando a qualidade do ar e a umidade.

Ainda de acordo com os dados, somando os focos de incêndio ativos de todos os estados do Sudeste, o número aumentou de 4,7 mil pontos de fogo para 15,2 mil no mesmo período deste ano.

Enquanto isso, no Centro-Oeste, a Chapada dos Veadeiros, em Goiás, está em chamas, e o Pantanal tenta sobreviver a um incêndio histórico, o que faz subir os números de incêndios na região.

Na última semana, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que o bioma pode desaparecer. No Mato Grosso do Sul, onde está parte do Pantanal, o número de focos de fogo é mais de 600% maior que no ano passado.

O pesquisador do Inpe, Luiz Aragão, especialista em análise de carbono na atmosfera e mudanças climáticas, explica que o país vive uma crise do fogo por dois pontos:

* Seca histórica que ressecou o solo e a vegetação por um longo período e que se soma às altas temperaturas, deixando toda a vegetação no país vulnerável.
* A cultura do uso do fogo na agricultura e na pecuária, alguns com autorização para isso. O problema é que, nas condições de seca, o incêndio perde o controle e atinge outras áreas. Para se ter uma noção, segundo os dados do Inpe, na Amazônia, apenas 15% de todo o fogo no país está sendo usado para desmatamento. (Entenda mais abaixo)

 Com isso, a fumaça da Amazônia se soma a outras ainda maiores e mais densas e cobre quase 60% do território nacional.

“A gente está cercado pela fumaça do Sudeste, do Centro-Oeste e que ainda se somam com o que vem da Amazônia. É uma quantidade de fogo enorme e que cobre o país de fuligem”, explica.

Fogo x desmatamento

Dados analisados pelo g1, disponibilizados pelo Inpe e que combinam essas informações sobre focos de queimadas com a situação de cada área, também revelam que a maioria desses focos vem ocorrendo em áreas que não estão associadas ao desmatamento.

Segundo especialistas, esse cenário é completamente diferente do que vínhamos vendo historicamente, quando a maioria dos incêndios estava ligada a áreas justamente recém-desmatadas.

Isso acontece porque as queimadas são tidas como a fase final do desmatamento: primeiro o trecho de vegetação é desmatado para só então ser “limpado” pelo fogo.

Na prática, são ecossistemas que não foram afetados pelo desmate que estão sendo encobertos pelo fogo.

Na Amazônia, por exemplo, a tendência é justamente o contrário: este ano o Inpe registrou uma queda de 45,7% do total da área desmatada entre as duas temporadas no bioma - a maior queda proporcional já registrada para o período.

De acordo com o WWF, que também analisou os mesmos dados do Inpe, somente em agosto, a maioria das queimadas nos principais biomas brasileiros ocorreu justamente em áreas de vegetação nativa. No Pantanal, 89% dos focos de incêndio atingiram áreas de vegetação nativa e menos de 1% áreas onde a vegetação foi desmatada recentemente. Já no Cerrado, esse índice foi de 67% para vegetação nativa, e na Amazônia, 53%.

“Isso é bastante preocupante, porque impacta um ecossistema que muitas vezes, como no caso da Amazônia, não está adaptado ao fogo. E mesmo a vegetação do Cerrado, que é adaptada a algum nível de fogo, não é com essa intensidade e com essa extensão”, diz Mariana Napolitano, diretora de estratégia do WWF-Brasil.

Para Napolitano, a principal razão por trás dessa tendência é a combinação das mudanças climáticas globais com a degradação ambiental. Isso porque a seca extrema, causada pelo aquecimento do planeta, tem tornado essas áreas de vegetação primária mais vulneráveis ao fogo.

Geralmente, as queimadas que ocorrem após as chuvas são pequenas e controladas, pois acontecem em períodos mais úmidos, e a própria chuva acaba apagando o fogo provocado por raios. No entanto, a situação atual é bem diferente, com incêndios se espalhando por grandes áreas, muitas vezes começando nas bordas de estradas, o que aponta uma origem criminosa

— Mariana Napolitano, diretora de estratégia do WWF-Brasil.

 Se não é desmatamento, o fogo ainda é crime?

A queimada é permitida no país desde os anos 1930 tanto para a agricultura, quanto para a pecuária. Apesar disso, é preciso de autorização dos órgãos estaduais.

Com o período de secas e risco de incêndio, os órgãos podem suspender as licenças, inclusive as já liberadas. Como foi feito no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e São Paulo.

Aliado a isso, é possível que uma medida do tipo seja determinada pelo governo federal em todo o território nacional, como já foi feito em outros anos, mas isso ainda não ocorreu em 2024.

Apesar da permissão, os incêndios sem autorização são considerados crimes ambientais. Inclusive, o fogo não intencional, que pode acontecer por algum descuido.

 Desde o início do ano, segundo os dados abertos do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) foram aplicadas 31 multas pelo uso do fogo de forma irregular, seja sem autorização ou para desmatamento, um total de R$ 17 milhões. Nenhuma foi paga e a maioria ainda é passível de recurso.

Os governos estão fazendo o necessário para impedir o fogo?

De acordo com os dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), boletins feitos para o governo federal mostram desde abril vários municípios pelo país em condição de seca severa e extrema.

Enquanto isso, em junho os dados de monitoramento de queimadas já mostravam que o país enfrentava números recordes.

Em maio o g1 inclusive já explicava essa situação atípica: o país registrava uma taxa inédita de queimadas no 1º quadrimestre do ano, uma consequência direta da piora climática do mundo e do poderoso El Niño deste ano, que trouxe secas longas principalmente à Amazônia

O que os especialistas defendem é que era necessário uma medida de prevenção, antes que o fogo avançasse como proibir o uso de queimadas, aumentar brigadistas e cobrar os estados sobre a fiscalização.

Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, destaca que, apesar da existência de leis e penalidades, como multas e prisões, sua aplicação é deficiente, gerando uma sensação de impunidade.

“Os incêndios criminosos não podem ficar impunes, isso dá margem para aumentar a ação criminosa”, explica.

Ela reforça ainda que, sabendo da seca severa, os governos (estaduais e federal) deveriam ter investido no reforço das ações de prevenção, como a ampliação de brigadistas e fiscalização de uso irregular.

Já Gabriel de Oliveira, pesquisador brasileiro e professor na University of South Alabama, explica que, como o fogo ainda é permitido, os estados deveriam mapear as áreas com autorização para que os índices sejam sempre controlados.

“Temos satélites que mapeiam o fogo. Os estados têm dados que poderiam facilitar a fiscalização. Com uma delimitação de onde é autorizado, o fogo seria estável e as propriedades mais acompanhadas”, explica.

Por isso, Luiz Aragão defende que o fogo não é mais uma questão de alternativa no país. Pelo contrário, com a ocorrência cada vez mais frequente de eventos extremos, é uma questão que precisa de preparo e planejamento.

O que dizem os governos
O g1 procurou os governos das 12 unidades da federação mencionadas nesta reportagem. Veja o que dizem os governos que enviaram resposta até a última atualização deste texto.

* Goiás:

Em resposta ao g1sobre incêndios florestais em Goiás, a Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável esclarece que: No dia 24 de julho de 2024, o Governo de Goiás proibiu, por meio do decreto 10.503/2024 (que declara situação de emergência ambiental em razão da alta probabilidade de ocorrência de incêndios florestais), o uso do fogo na vegetação em todo o território estadual. Nos últimos dois anos, em 2022 e 2023, tais proibições foram decretadas nos meses de agosto e setembro, respectivamente.

No dia 6 de setembro de 2024, o Governo de Goiás instituiu a Política Estadual de Segurança Pública de Prevenção e Combate ao Incêndio Criminoso no Estado, que amplia a atuação contra incêndios criminosos. O Governo de Goiás também trabalha, neste momento, na regulamentação da Política de Manejo Integrado do Fogo (MIF), com objetivo de regulamentar o uso preventivo do fogo em Goiás. O foco inicial é nas unidades de conservação (UCs). Além disso, o governo estadual está ampliando as contratações de brigadas destinadas ao combate ao fogo nas UCs. O número de polos vai para 10 e a previsão é que haja um aumento significativo nos investimentos em recursos humanos e materiais.
Goiás tem planos operativos de prevenção e combate aos incêndios florestais em UCs. O governo segue os protocolos estabelecidos por eles. O Estado também está em tratativas para adotar sistema que utiliza inteligência artificial no monitoramento de queimadas em UCs e nos arredores, com equipamentos capazes de detectar incêndios a 20km de distância.
Por fim, vale citar que foi lançado na última terça-feira (10/9) o Programa Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais, iniciativa que prevê uma remuneração anual de R$ 498 por hectare para o proprietário rural que se comprometer a preservar áreas nativas além das parcelas obrigatórias por lei (reservas legais e APPs); e de R$ 664 para aquele que se comprometer a recuperar pelo menos uma nascente degradada por ano. O limite máximo a ser remunerado é de 100 hectares por propriedade.

 

* Tocantins

O governo do Tocantins informou que suspendeu as licenças para as queimadas em 17 de julho. Disse ainda que tem um plano anual de controle das queimadas e que esse ano foram formados mais de 800 brigadistas.
Além disso, o governo disse que contratou 230 brigadistas para o controle do fogo e vem investindo na educação de moradores contra o uso de queimadas na época de seca.

* Rio de Janeiro

O Governo do Estado do Rio de Janeiro informou que investiu mais de R$ 1 bilhão no Corpo de Bombeiros do Rio, sendo R$ 115 milhões apenas no combate a incêndios florestais.
No estado, as autorizações para o uso do fogo são proibidas por lei estadual em quase todo o território. Para as áreas em que o uso do fogo é permitido, as autorizações estão suspensas desde 2023.
O governo disse ainda que emitiu 2.355 notificações preventivas sobre o uso do fogo. Além disso, o reforçou o efetivo de guarda-parques, contratou horas de voo para helicópteros no combate a incêndios e construiu 9.673 metros de aceiros em unidades de conservação.

* Minas Gerais

O governo de Minas Gerais não suspendeu o uso do fogo no estado. No entanto, informou que até o mês de julho, foram aplicadas 463 multas relacionadas a incêndios ou queimadas irregulares.

Disse ainda que investiu neste ano R$ 10 milhões para equipar as áreas responsáveis por combate a incêndios e que tem mil profissionais na linha de frente.

* Roraima

A Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos informa que o calendário de queimadas está suspenso. Todas as autorizações concedidas pela Femarh são tornadas públicas no endereço eletrônico https://siggarr.femarh.rr.gov.br/. O sistema permite o monitoramento dessas áreas por meio de imagens de satélite, o que possibilita verificar se a queima foi realizada de maneira controlada, cruzando as informações com os focos de calor diários. A Femarh ressalta ainda que elabora mensalmente os Boletins Hidrometeorológicos, que monitoram os focos de calor e os índices de qualidade do ar. Esses indicadores são cruciais para identificar o momento adequado para a suspensão do calendário de queimadas como medida de precaução, além de estabelecer períodos em que o uso do fogo pode ser proibido. De forma complementar, informa que o Estado de Roraima possui o Plano Estadual de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas instituído pelo Decreto nº 12.272-E, de 25 de janeiro de 2011, com objetivo de estabelecer a política de controle do desmatamento e das queimadas, fortalecendo a governança interinstitucional voltada ao uso sustentável dos recursos naturais no Estado. Desde 2021 está em execução o 4º Plano Estadual de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas do Estado de Roraima 2021-2024, que contempla diversas ações voltadas para a prevenção e combate às queimadas. Entre essas ações, destacam-se a capacitação de produtores rurais para o uso controlado do fogo, a contratação e formação de brigadistas, a compra de equipamentos para combate a incêndios, e o desenvolvimento de ferramentas para monitoramento ambiental. Essas e outras ações podem ser consultadas no endereço eletrônico: https://femarh.rr.gov.br/ppcdq

Cabe destacar que a legislação brasileira prevê a possibilidade de produtores rurais e comunidades tradicionais realizarem queimadas controladas, como prática autorizada para a gestão e redução de material combustível em áreas agrícolas e florestais, com o objetivo de evitar incêndios de grandes proporções. De acordo com o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), a queima controlada é permitida nas práticas de prevenção e combate aos incêndios e nas de agricultura de subsistência exercidas pelas populações tradicionais e indígenas, e também, nos termos do art. 38, I, do referido Código, em locais ou regiões cujas peculiaridades justifiquem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, mediante prévia aprovação do órgão estadual ambiental competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente, para cada imóvel rural ou de forma regionalizada, que estabelecerá os critérios de monitoramento e controle. O Decreto 2.661/1998 estabelece normas de precaução relativas ao emprego do fogo em práticas agropastoris e florestais, mas os procedimentos variam entre os estados de acordo com legislação específica. A decisão de executar uma queima requer, acima de tudo, plena segurança afim de que os objetivos possam ser cumpridos integralmente. Isso implica em uma análise detalhada das condições do terreno, especialmente topografia, características da vegetação (quantidade, condição e distribuição) e variáveis meteorológicas (intensidade e direção do vento predominante, temperatura, umidade, incidência de luz, dentre outros).

O uso do fogo é permitido em situações específicas, desde que atendidas as condições estabelecidas pelos órgãos ambientais competentes. Entre essas condições estão a necessidade de obter autorização prévia, a adoção de medidas de segurança e o cumprimento de normas técnicas que minimizem os impactos ambientais. A queimada controlada, quando realizada de forma adequada, pode ser uma ferramenta eficaz para evitar incêndios descontrolados, protegendo a fauna, a flora e a produção agrícola. Desta forma, a abertura do calendário de queimadas pelo Estado visa atender à demanda dos produtores rurais que desejam realizar a prática, sempre dentro das exigências legais.
A autorização é condicionada ao cumprimento das técnicas recomendadas, como a queima em faixa e/ou contra o vento, além da obrigatoriedade de comunicar à Defesa Civil quando a queima controlada será realizada.

G1

 

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